sábado, 30 de janeiro de 2010

Por que estudar filosofia? Parte III

Como vimos, a vitória nas guerras Médicas possibilitou uma nova forma de vida para os atenienses, onde a educação militar perdeu a importância e a democracia entrou em cena.

Logo perceberam que, o homem que dominasse a arte de falar bem controlaria a democracia e Atenas.

Quando perceberam isso, lembraram que haviam dois estrangeiros em Atenas, que até então serviam mais como motivo de piada.

Eles eram Parmênides e Zenão de Eléia. Foram a Atenas levar suas idéias. Não foram os primeiros filósofos a chegarem em Atenas, essa honra cabe ao Anaxágoras. Mas eles levaram uma curiosa a discussão filosófica aos cidadãos atenienses.

Procuravam demonstrar que tudo que se vê é uma coisa só. Uma coisa não poderia ser uma e muitas ao mesmo tempo, assim tudo que víamos era uma coisa só. Chegavam a conclusão de que nada se movia e os sentidos eram apenas ilusões.

Parmênides e Zenão de Eléia defendiam essa idéia aparentemente absurda com argumentos claros e aparentemente verdadeiros. Se no início eram motivo de piadas, se tornaram interessantes às ambições da democracia ateniense. Os atenienses passaram a prestar atenção no que tinham a dizer, mas não no sentido filosófico de conhecimento da verdade que, apesar de tudo, Parmênides e Zenão buscavam. Prestavam atenção para apreender a técnica de desenvolver argumentos. Argumentos para defenderem suas idéias, sem se preocupar com a verdade por de trás delas.

O sofismo, então, ficou conhecido como esse tipo de conhecimento. Exemplos de como ela empobreceu a democracia e levou a corrupção de Atenas no próximo capítulo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Por que estudar filosofia? Parte II

Vimos que após as guerras Médicas os gregos tinham paz e passaram a controlar o comércio no mundo conhecido. Especialmente graças a sua imensa frota naval construída, a princípio, com fins militares.

Até as guerras Médicas a vida de todo grego era voltada para a guerra. A preparação física para a batalha era realizada num ginásio, e essa era a mais importante forma de educação.

Além da ginástica militar, os gregos costumavam entregar o filho aos cuidados de um escravo (pedagogo é escravo em grego). Aprendiam geralmente música e dialética, a arte de falar bem, mas nada de muito especial. Eram poucos os que sabiam ler e escrever.

Após a vitória sobre os Persas já não havia mais um motivo evidente para continuar com a educação militar. Não havia motivo mas os espartanos mantiveram a educação militar, enquanto em Atenas houve a grande reforma de Péricles. Floresce então a democracia, que passa a ser o centro da vida em Atenas.

Na democracia ateniense, todos os cidadãos (ou toda pólis) tinham direito a voto. Ser cidadão excluía então escravos e mulheres. Eram cerca de 400 cidadãos em Atenas, que se reuniam para fazer e executar suas leis. Era assim legislativa e judiciária a democracia ateniense.

Então todo cidadão tinha direito de expor suas idéias para serem votadas por todos os outros cidadãos. Logo se viu que um sujeito com uma maior capacidade de expor suas idéias controlaria Atenas.

Assim a educação perdeu a orientação militar, e passou a servir de base para a realização da democracia.

Como passou a ser essa educação é assunto para o próximo capítulo.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Por que estudar filosofia? Parte I

A política é capaz de dragar a inteligência de um homem. Quando alguém vê tudo em termos políticos é que ele já esqueceu para que serve a inteligência. A política é o que sobra quando acaba a inteligência.

O mal não está na política em si, mas em acreditar que a política é um fim em si mesmo. O problema começa em perceber esse detalhe, que se trata hoje a política como princípio, meio e fim da sociedade. O princípio é a ideologia política, o meio a praxis política e o fim a construção política da sociedade. Ou a sociedade politicamente correta.

Existem 1001 maneiras de se abordar isso. Sinceramente não sei a melhor maneira, mas alguém conseguiu sintetizar isso num quadro de humor:



Então é por ele que eu começo.

O apogeu e queda de Atenas ocorreu entre as guerras Médicas e a guerra do Peloponeso. As guerras Médicas foram travadas entre gregos e persas. Os persas eram o mais temido exército da época, e os gregos conseguiram se defender de suas investidas.

Sócrates, o filósofo, foi um destemido guerreiro a lutar nas guerras Médicas. Ele foi condenado a morte ao fim da guerra do Peloponeso, onde a cidade de Atenas foi derrotada por Esparta. Pelo tempo que compreende a vida de um homem, Atenas derrotou o mais temido exército então conhecido e foi derrotado por uma simples cidade. E isso não ocorreu por acaso, a história demonstra. Ironicamente ocorreu pelo desenvolvimento da democracia e da educação de forma desordenada.

Mas isso veremos no próximo capítulo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

L'AMOR CHE MUOVE IL SOLE E L'ALTRE STELLE

Texto de Gustavo Corção


Um curioso exemplo da falta de precisão científica em que incide certa espécie de filosofia cientificista, pode ser colhido na página setenta e quatro da tese que o Sr. Euryalo Cannabrava apresentou no seu concurso. Depois de muitas considerações tortuosas sobre a diferença que existe entre a linguagem científica e a linguagem poética, diz ele o seguinte:

"Cabe aqui perguntar se a frase "L'Amore que muove il sole e l'altre stelle" poderá ser considerada uma proposição. A fim de responder a essa pergunta, é necessário resolver preliminarmente se o seu enunciado será falso ou verdadeiro. Sob o ponto de vista da linguagem científica "L'Amore que muove il sole e l'altre stelle" se considera falso. o que move o sol e as estrelas não é o amor, mas o que está expresso na lei de Kepler, de acordo com a qual os astros descrevem, na sua órbita, uma elipse de que o sol ocupa um dos focos."

Analisemos esta passagem. Preliminarmente devemos notar que o verso de Dante diz "L'Amor" e não "L'Amore"; e que em italiano se diz "che" e não "que". Parece-me também que a construção "os astros descrevem, na sua órbita, uma elipse" ficaria muito melhor assim: "... os astros descrevem órbitas elípticas" ou "... descrevem elipses". Assim como está, a frase dá uma idéia engraçada: a órbita parece uma pista, uma estrada, na qual o astro faça uma elipse. Tudo isto porém importa relativamente pouco; o que importa é o conteúdo. Vamos a ele.

Diz o autor que não é o amor que move o sol e as estrelas, é o que está expresso na lei de Kepler. Ora, essa proposição, apesar das aparência, é muito menos científica do que o verso de Dante. Essa proposição é falsa. As leis de Kepler exprimem apenas como se movem os astros e não o que os move. Quando o grande astrônomo enuncia que os planetas descrevem elipses em que os quadrados dos tempos de revolução são proporcionais aos cubos dos eixos maiores, a causa eficiente, aquilo que move, não entra de modo algum em seu enunciado. E basta esse pequeno detalhe para me autorizar a dizer que a frase "o que move o sol e as estrelas é o que está expresso na lei de Kepler..." seria admissível na boca de um desprevenido bombeiro hidráulico que acabasse de ler o último número de Seleções, mas é imperdoável na tese de um candidato à cátedra de filosofia. Essa frase revela um irrecuperável escript de lourdeur, uma absoluta ausência de precisão cientifica, e sobretudo uma total incapacidade filosófica.

Além disso cumpre notar que as leis de Kepler só se referem aos movimentos planetários e que, por conseguinte, nem para exprimir apenas o modo do movimento convém ao sol e às estrelas, cujos movimentos próprios nada têm a ver com essas leis. Devo também assinalar que as órbitas planetárias só são elípticas se não levarmos em conta o movimento próprio do sol e as perturbações dos outros planetas. Há portanto na frase em questão um erro formal e um erro material.

Mas o erro grave que torna a frase falsa, realmente falsa, cientificamente falsa, astronomicamente falsa, é a ingênua e grosseira afirmação de que as leis de Kepler exprimem a causa eficiente, aquilo que move os astros. Para ilustrar melhor esse tipo de erro, passando-o da astronomia a um fenômeno mais trivial, eu imagino o sr. Cannabrava ao lado de Dante, a observar a travessura de um garoto que atirou uma pedra no lampião da esquina. Dante Alighiere, com profunda sabedoria, dirá:

— Aquele menino quebrou o lampião.

E o sr. Euryalo Cannabrava, olhando com superioridade os ressecados louros do florentino, corrigirá:

— Não, o que moveu a pedra e conseqüentemente quebrou o vidro é o que está expresso pela lei parabólica do movimento dos corpos pesados...

Deve-se então punir a equação, e não o garoto.

Se o autor daquela frase tivesse dito "leis de Newton" em lugar de leis de Kepler, o erro de sua proposição seria menos aparente, porque aquelas leis, embora ainda sejam expressões de modalidade, incluem uma referência à causa próxima da interação dos corpos celestes. Os corpos se atraem na proporção direta das massas e na inversa do quadrado das distâncias. Cinqüenta anos depois do grande Kepler, o imenso Newton virá dar maior unidade à mecânica celeste. Mas ainda não se pode dizer com propriedade que o que move o sol e as estrelas é o que está expresso na equação de Newton. A gravitação universal é um fato físico, e a lei de Newton descreve como agem os corpos dentro dessa realidade física que em si mesma é distinta dos símbolos matemáticos. A realidade das causas mais profundas que movem os astros escapa ao tratamento matemático e pertence ao domínio propriamente filosófico pelo qual o Sr. Cannabrava nutre tamanha aversão. Posso convir que uma pessoa seja agnóstica e que leve seu positivismo até o ponto de se desinteressar pelas causas profundas. Neste caso, porém, deve dizer: eu não sei o que é que move os astros, só sei que eles se movem assim...

A gravitação universal que o físico examina e mede é o aspecto sensível, quantitativo, de uma gravitação universal metafísica dentro da qual todas as naturezas, incluindo as supra-sensíveis, se movem segundo suas intrínsecas inclinações. Os filósofos, que Dante conhecia muito bem, falam num apetite natural. Qualquer manual elementar de filosofia ensina que na raiz de cada natureza há inclinações, ordenações essenciais que a movem para o seu fim ou para o seu bem. A noção de bem metafísico, coextensiva à noção de ser, é análoga ao que há de atraente e atrativo nas massas dos corpos físicos. Atrás das fórmulas de Newton há portanto, a realidade subjacente, a massa real, a corporiedade, que o físico matemático deixa ao abstrair o quantitativo que designa pela letra m: como atrás das medidas antropométricas do sr. Cannabrava há uma realidade humana maior e muito mais respeitável do que suas dimensões. E atrás do dinamismo expresso pelas forças designadas pela letra f há a realidade maior, subjacente, do dinamismo da natureza que os filósofos chamam de apetite natural.

Quando se trata de movimentos consciente de seres racionais, e conseguintemente livres, esse apetite se chama amor. Os filósofos da tradição aristotélico-tomista usam freqüentemente o termo "amor" em sentido largo, como sinônimo de apetite natural. No vocabulário de Lalande, por exemplo, encontramos: "Amor, sentido A: nome comum a todas as tendências atrativas, etc." Em São Francisco de Salles, no Traité de l'Amour de Dieu, encontramos a expressão amor aplicada à atração entre o ferro e o imã. No compêndio de Thonnard encontraremos a expressão amor para designar o tropismo das plantas.

Ora, isto nos mostra que o verso de Dante é muito mais verdadeiro (cientifica e filosoficamente) do que a pesada e torta frase do candidato à cátedra do Pedro II. Dizendo que é o amor que move os astros, o poeta anunciava, trezentos e tantos anos antes de Newton, a gravitação universal. Além disso o verso de Dante tem um sentido principal que ainda é mais profundo, que é mais verdadeiro do que todas as equações do mundo. Se nós pensarmos na causa primeira e no Motor de todos os seres, e se nós pensarmos no Fim a que todos os seres estão ordenados, veremos que em primeira e última instância é Ele que move o sol e as estrelas. Ora, o seu nome é Amor.

Aliás, o bom Kepler conhecia esse nome, e nunca pretendeu substituí-lo por suas equações. É no seu livro Harmonices Mundi Libri V que o grande astrônomo, depois de uma série de cogitações mais ou menos destituídas de valor, anuncia a sua grande descoberta. E eis como arremata ele, no estilo do salmista, sua memorável comunicação sobre as órbitas planetárias:

"A sabedoria de Deus é infinita, assim como sua Glória e seu Poder. Céus, cantai o seu louvor. Sol, lua, planetas, glorificai-o na vossa linguagem inefável. Harmonias celestes, e vós todos que procurais compreendê-las, louvai-o. E tu, alma minha, louva o teu Criador. É por Ele e n'Ele que tudo existe. O que nós ignoramos está encerrado n'Ele, bem como a nossa vã ciência. A Ele louvor, honra e glória, em todos os séculos e séculos".

E logo abaixo desse hino o bom astrônomo acrescentou esta tocante palavra de humana gratidão: "Glória também a Moestin, o meu velho professor".

Por onde se vê que é também o amor (stricto sensu) que move os verdadeiros astrônomos.

(Diário de Notícias, 28-12-52)

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